Saturday, December 31, 2011

Estou particularmente fodido com a escrita hoje. Foi uma batalha imensa e acabei por perdê-la, e não há melhor analogia do que comparar o acto de escrever a uma batalha porque ao olhar para as cento e vinte e duas palavras que consegui espremer ao dia de hoje não sinto nada além de violenta derrota. Tudo dentro de mim é como uma boca seca, como beber um copo de pó e não conseguir salivar – bolas, pior até – é como querer cagar e não sair nada. A puta do esforço que se faz – outra analogia apropriada, acho que seria adequado dizer que tenho figurativamente a cara vermelha de tanto esforço que fiz para cagar estas palavras. Estou dorido (no meu cú figurativo que expele estes caganitos de frases), levei uma tareia da escrita e estou a retirar-me com ambos os olhos negros e os lábios inchados para, como dizem, lutar outro dia, esperando mais como quem reza que o bater das teclas seja infindável, um comboio que passe por mim a milhentos quilómetros por hora, que levante as saias das senhoras, que me dê vertigem e cujo fim eu não consiga ver na linha.
O pior, começo a duvidar daquilo que escrevo. As palavras ganham o cheiro da dificuldade, que cheira mal – para continuar coerentemente com as analogias, ganham o cheiro ao peido inatural que não estava para sair mas que cedeu ao tremendo esforço que fazemos – e agora pouco interessa que o cheiro esteja lá ou não porque vou senti-lo sempre que as ler, estas frases do diabo que me fazem pressionar por cima dos olhos com a ponta dos dedos de tão farto e irritado que estou com a escrita hoje.
As personagens, passei a odiá-las. A Andreia já não é uma mulher simples e bondosa mas uma choninhas de merda cuja falta de sabor me está a enervar. O Nuno não sabe que merda está para ali a dizer, o que é um problema porque é ele quem me escreve o livro inteiro. O Vítor, nem sei mais quem é o Vítor. Quem és tu Vítor? Caralho para ti Vítor, escreve-te a ti mesmo. 

Friday, December 30, 2011

Contra todas as alturas em que não soube como começar, hoje sei precisamente como. As duas frases que não me espancam pelo caminho até à saída do meu labirinto pessoal:
1.                        Vivo com depressão;
2.                        Escrevo.
Sobre o primeiro ponto, escolho as palavras com cuidado. A minha vida interior é lenta e áspera, e para mim muito ácida e difícil. Há piores, claro. Não tenho o pior caso da doença alguma vez registado. Por isso não “sofro de depressão”, porque de vez em quando faço algo além de sofrer. Não quero, ainda assim, dar a impressão que a depressão e eu somos independentes, que por vezes me esqueço, que a desligo ou que mesmo quando estou ocupado com algo que não sofrer, não a vejo do outro lado da porta à espera para entrar. Na verdade, após um certo momento, a depressão deixa de ser uma coisa que se tem, mas uma coisa que se é. Por isso não “tenho uma depressão”, porque dia a dia sinto que não há mais nada em mim além disso.
Sobre o segundo ponto, gosto do que escrevo, acho que escrevo bem. Não digo “modéstia à parte” mas antes “orgulho incluído” e não há modéstia a ter quando se escreve – porque se não se gosta do que se escreve, não se escreve. Faz-se outra coisa qualquer que se goste. Em particular quando se mostra o que se escreve é porque se gosta, independentemente dessa opinião poder mudar com o retorno que os outros nos dão, mas não se parte para a publicação de material pessoal sem a mínima confiança para motorizar todo o processo. Por isto não tenho medo de admitir que gosto do que produzo, quando produzo (e infelizmente ainda estou longe de produzir a um ritmo fiável), ou quando leio ou me lêem material escrito por mim há uma década, ainda soando à minha maneira de descrever aquilo que nunca acomodei mas distante o suficiente para que me esqueça da batalha que tais palavras foram, para que se deixe cair algures pelo caminho a marca do falhanço, da insatisfação com aquilo que vejo no papel e o quão distante de mim ainda me soava. Mas dez anos depois ainda sei que sou eu, e não posso exigir mais exactidão. Trago-me de volta, e sei que é porque já na altura me escrevi bem.
De volta ao primeiro ponto: a depressão expandiu-se pela minha pessoa, lenta mas seguramente, desactivando várias dimensões da minha personalidade, muito agressivamente ao longo da última década. Na qual parei de escrever, de tocar piano, de ler, de fotografar, de criar, percebendo que a depressão é transversal e não sou capaz de a travar num compartimento, mas que é líquida e transborda e explora as falhas estruturais e inunda divisões do Eu indiscriminadamente.
De volta ao segundo ponto: preciso de escrever, literal necessidade. Neste ponto em que estou, é escrever ou nada.